Os impactos do COVID-19 nas relações de trabalho e a medida provisória 927/2020
Dr. Alcides Neto Guimarães Franco

Dr. Alcides Neto Guimarães Franco

Nov 16, 2022

Os impactos do COVID-19 nas relações de trabalho e a medida provisória 927/2020

O presente documento, por sua vez, visa a dar uma luz aos nossos clientes e parceiros quanto às medidas que serão possíveis de serem adotadas com o fito de minimizar prejuízos nas relações de trabalho e, o que é mais importante, tentar preservar os empregos de milhares de trabalhadores mitigando-se, de outra banda, as despesas com obrigações assumidas em cenário totalmente diverso do habitual.

Embora a CLT contemple capítulo intitulado “DA FORÇA MAIOR” (artigos 501 à 504), as regras nele contidas são insuficientes e lacunosas, pois não previram circunstâncias como as atuais, de paralisação quase que total dos meios de produção, impedindo o desenvolvimento pleno, pelos trabalhadores, das suas atividades, trazendo como consequência perniciosa a demissão em massa de empregados, a rescisão de contratos e negócios e ensejando a ausência de circulação de moeda e, portanto, queda na capacidade econômica das pessoas (físicas e jurídicas).

Na CLT, força maior é todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente (art. 501, caput).

Desta feita, ante a decretação do estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 06 de 20 de março de 2020, o Governo Federal adotou, em 22 de março de 2020, a Medida Provisória de nº. 927. Tal diploma legal veio com o intuito de proporcionar a empregados e empregadores maior segurança jurídica, no âmbito trabalhista, enquanto perdurar a situação de calamidade pública em que o país atualmente se encontra.

Conforme está claro no art. 1º, parágrafo único da referida Medida Provisória, as medidas nela previstas permanecerão em vigor até 31 de dezembro de 2020.

Vale notar que a MP entra em vigor imediatamente com status de Lei, mas precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias (art. 62, CF), para não perder a validade, o que pode gerar algum risco na sua implementação imediata, porém, tais riscos podem ser mitigados futuramente, quando o cenário econômico voltar ao seu curso normal.

A referida Medida Provisória aplica-se durante o estado de calamidade pública, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da CLT.

É de comezinha sabença que a Lei nº 13.467 de 2017, apelidada de reforma trabalhista, implementou diversas mudanças, de modo especial na CLT. A principal delas foi a estipulação de prevalência da convenção coletiva e do acordo coletivo de trabalho sobre a lei, nas hipóteses do art. 611-A, mas não se limitando a elas. A reforma, aliás, também privilegiou, em alguns poucos casos o acordo individual. Como se sabe, antes da alteração, a convenção coletiva e o acordo coletivo somente tinham valor jurídico se fossem mais benéficos ao trabalhador do que a lei, sendo que os realizados de forma individual, sem previsão na convenção ou em acordo, não tinham valor legal.

O objetivo desta mudança foi modernizar e flexibilizar as negociações, a partir da ideia de que as negociações poderiam ser menos burocráticas, o que reduziria o desemprego e evitaria demandas judiciais.

Nesse sentido, o art. 2º da Medida Provisória determinou que, devido ao estado de calamidade pública, empregado e empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício. Esta negociação será preponderante sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

Desta feita, se percebe que a Medida provisória n.º 927 tem como alicerce a flexibilização do Direito do Trabalho como forma de garantir o pleno emprego, e mitigar demissões em massa e minimizar os prejuízos causados pela situação atual que estamos presenciando no Brasil.

Os principais pontos abordados pela MPV estão expostos no art. 3º e, como se vê, funcionam como um verdadeiro guia para que os empregadores possam optar pela melhor alternativa para a empresa ante a atual situação.

Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, os empregadores poderão adotar, dentre outras, as seguintes medidas, algumas das quais dependerão de acordo individual escrito celebrado entre empregado e empregador e outras poderão ser adotadas pelo empregador a seu exclusivo critério, quais sejam:

TELETRABALHO: O empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho à distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos e o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho, porém devendo notificar o colaborador com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico. Estas regras valem tanto para empregados quanto para estagiários e aprendizes.

As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho à distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.

Na impossibilidade do oferecimento dos equipamentos e custeio da infraestrutura necessária, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.

ANTECIPAÇÃO DE FÉRIAS INDIVIDUAIS: O empregador poderá antecipar as férias dos empregados, devendo informá-los com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado, as quais não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias corridos e poderão ser concedidas ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido.

Períodos futuros de férias poderão ser incluídos na antecipação acima mencionada, porém dependerão de negociação entre empregador e empregado mediante acordo individual escrito.

O pagamento do adicional de um terço de férias poderá ser efetuado pelo empregador após sua concessão, até a data em que é devida a gratificação natalina.

CONCESSÃO DE FÉRIAS COLETIVAS: O empregador poderá, a seu exclusivo critério, conceder férias coletivas e deverá notificar o conjunto de empregados afetados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, não sendo aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na CLT, ficando dispensadas as comunicações ao órgão local do Ministério da Economia e aos sindicatos representativos da categoria profissional.

APROVEITAMENTO E ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS: O empregador poderá antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverá notificar, por escrito ou por meio eletrônico, o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados, podendo estes, inclusive, ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas. O aproveitamento de feriados religiosos dependerá de concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.

BANCO DE HORAS: Ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, a qual poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, desde que não exceda dez horas diárias, e determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.

SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO: Durante o período da calamidade pública, fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto do exame demissional (art. 15, caput, MP 927). É uma forma de evitar que o empregado tenha que frequentar ambientes propensos ao contágio pelo coronavírus.

A regra é de que se tem a suspensão dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, os quais são exigidos legalmente (art. 168, CLT), com exceção do demissional, cuja exigência regular pode ser dispensada caso o empregado tenha realizado o exame ocupacional há menos de 180 dias (art. 15, § 3º).

Após o encerramento do estado de calamidade pública, os exames serão realizados no prazo de 60 dias (art. 15, § 1º). Nada obsta, mediante parecer médico, que o exame não seja postergado, como forma de se evitar prejuízo à saúde do trabalhador.

Na hipótese de o médico coordenador de programa de controle médico e saúde ocupacional considerar que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado, o médico indicará ao empregador a necessidade de sua realização (art. 15, § 2º).

Também fica suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho (art. 16, caput, MP 927). É uma forma de evitar que o empregado tenha que frequentar ambientes propensos ao contágio pelo coronavírus.

Os treinamentos serão realizados no prazo de 90 dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública (art. 16, § 1º).

Em época de inovações tecnológicas, nada obsta que os treinamentos sejam realizados na modalidade de ensino à distância, contudo, caberá ao empregador observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança (art. 16, § 2º).

As comissões internas de prevenção de acidentes (CIPA) poderão ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos (art. 17).

DIFERIMENTO DO RECOLHIMENTO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO: Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente, independentemente do número de empregados, do regime de tributação, da natureza jurídica, do ramo de atividade econômica e da adesão prévia. O recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos.

ESTABELECIMENTOS DE SAUDE E A JORNADA DE TRABALHO: Para os estabelecimentos de saúde e os seus empregados, é permitido, mediante acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de 12×36 (art. 26, I e II. MP 927).

(a) prorrogação da jornada na forma do art. 61, CLT, em caso de necessidade imperiosa, o estabelecimento da jornada legal ou convencionada, seja para fazer face a motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto. A jornada pode ser prorrogada em até 4 horas diárias (art. 61, § 2º);

(b) adoção de escalas de horas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado (art. 67, CLT). A regra legal autoriza a adoção de escalas de trabalho, reduzindo o intervalo interjornadas. Isso significa que a empresa poderia criar escalas, exemplificativamente, de 12×14 ou 12×16, em evidente prejuízo à saúde física e mental do trabalhador. Nesta hipótese, o empregado teria um repouso mínimo semanal de 24 horas consecutivas.

As horas suplementares computadas poderão ser compensadas, no prazo de 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, por meio de banco de horas ou remuneradas como hora extra (art. 27, MP 927).

O CORONA VÍRUS E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR: Os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal (art. 29, MP 927).

Do ponto de vista legal, se houver o contágio no ambiente de trabalho, a doença ser considerada com uma doença do trabalho (art. 20, Lei 8.213).

Contudo, é temerário e precoce a afirmativa de que o empregador possa vir a ser responsabilizado por acidente de trabalho ou doença do trabalho, caso o seu empregado tenha algum tipo de incapacidade ou venha a óbito em decorrência da patologia.

Os sintomas do coronavírus não se entrelaçam necessariamente com as condições efetivas do meio-ambiente do trabalho, sendo que o seu contágio pode ocorrer em qualquer local.

Não há um regramento legal específico para o empregador adote medidas de segurança e saúde específicas para essa patologia.

Assim, se a empregador adotar os cuidados gerais recomendados pelo Ministério da Saúde e pelas normas trabalhistas, não vemos como poderá ser responsabilizada civil por eventual contágio ocorrido no ambiente de trabalho.

Contudo, em alguns casos específicos, dependendo do local de trabalho e das atividades exercidas, tem-se a possibilidade da caracterização da responsabilidade civil objetiva do empregador, precipuamente, para os trabalhadores da área da saúde (art. 927, CPC). É evidente que há situações peculiares, em que se tem a presunção plena dos requisitos da responsabilidade civil, em especial, pelo risco profissional ou pelo risco criado pela atividade econômica.

ULTRATIVIDADE DAS NORMAS COLETIVAS: Os acordos e as convenções coletivos vencidos ou vincendos, no prazo de 180 dias, contado da data de entrada em vigor MP 927 (dia 22.03.2020), poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de 90 dias, após o termo final deste prazo (art. 31, MP 927).

ATUAÇÃO AO AUDITOR DO TRABALHO: Durante o período de 180 dias, contado da data de entrada em vigor da MP, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades: (a) falta de registro de empregado, a partir de denúncias; (b) situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação; (c) ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; (d) trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil (art. 31, MP 927).

APLICAÇÃO RETROATIVA DA MP 927: Por previsão expressa, o legislador entendeu por bem considerar convalidadas as medidas trabalhistas adotadas por empregadores que não contrariem a MP tomadas no período dos 30 dias anteriores à data de sua entrada em vigor (art. 36, MP).

De longa data, se admite que a lei tenha efeitos retroativos, mas sempre preservando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Assim, a aplicação automática de todas as regras trazidas pela MP 927 não é simples e merece cautela.

Não se pode, de forma automática, admitir a aplicação da MP aos fatos anteriores a sua própria existência, sob pena de se convalidar violações aos direitos sociais dos trabalhadores. Os fatos ocorridos antes da MP devem ser analisados com razoabilidade e à luz da ordem jurídica vigente à época.

Dessa forma, o citado dispositivo pode ser analisado pelo prisma de que as alterações contratuais ocorridas antes da MP e que se coadunam com a estrutura normativa da nova regra legal, de forma concreta, devem ser convalidadas, contudo, para fatos posteriores a vigência da MP.

Ato contínuo, importante frisar que houve importante mudança na MP 927, pois o artigo 18 da MP que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses foi revogado pela MP 928, sob alegação de que será tratada de forma mais completa em MP específica. Portanto, esse mecanismo não pode ser utilizado no momento.

De plano, as regras advindas pela MP 927 somente atingem os trabalhadores do setor formal da economia. Para os trabalhadores da economia informal e outros grupos vulneráveis (atletas profissionais, trabalhadores avulsos) são necessárias outras regras de proteção, as quais devem ser disciplinadas por normas específicas, possivelmente, outras Medidas Provisórias.

Além da relação de emprego tradicional disciplinada pela CLT, os dispositivos da MP 927 são aplicáveis: (a) aos trabalhadores temporários (Lei 6.019/74); (b) trabalhadores rurais (Lei 5.889/73); (c) no que couber, aos empregados domésticos (LC 150/2015), tais como jornada, banco de horas e férias (art. 32, I e II, MP 927).

Desta forma, mesmo a MP não sendo a ideal e satisfatória para todos os envolvidos, esta visa dar fôlego para que as empresas e empregados mantenham a relação de emprego, para atravessar esse período de calamidade pública.

Diante de todo exposto, a presente situação é de uma emergência pública em saúde e o atual estado de coisas aponta para uma grave crise econômica, não somente no Brasil, mas em todo o mundo.

Nessas circunstâncias, em que as empresas e o comercio pararam, é imprescindível que as relações trabalhistas possam ser flexibilizadas. Afinal, não estando as empresas dotadas de lastro econômico-financeiro haverá verdadeiro risco ao emprego.

Acredita-se que o momento é de consenso e não de dissenso, de conciliação, não de imposição. Certamente, o diálogo entre as partes é caminho mais seguro para o enfrentamento da crise e seus efeitos.

Espera-se que nossos clientes e parceiros tenham por entendido as circunstâncias econômicas e sociais que estão por vir e, com tranquilidade, adotem as medidas que melhor favoreça o seu negócio e a vida dos seus empregados, colaboradores, fornecedores e clientes.

Dr. Alcides Neto Guimarães Franco

Dr. Alcides Neto Guimarães Franco

Pós-graduado em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário na FacLions/Agatra, nesta capital, com conclusão em 2006/2007. Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Triângulo/ Uberlândia (MG), 2004.

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