A transformação digital revolucionou a forma como nos comunicamos em todas as áreas da vida, e na medicina, essa evolução traz à tona nuances ainda mais complexas e significativas.
Os médicos, que diariamente acolhem pacientes com diversas condições, ansiedades e expectativas, enfrentam novos desafios éticos e práticos com a crescente integração das redes sociais em sua rotina profissional.
O WhatsApp, em particular, destaca-se como uma ferramenta de comunicação ambígua. Embora facilite a interação entre médicos e pacientes, também pode gerar desgastes, incertezas e até mesmo problemas e que precisam ser cuidadosamente gerenciados.
Reconhecidamente, o WhatsApp se estabelece como um canal de comunicação com grande potencial para otimizar diversos aspectos da interação médico-paciente, assim como a troca de informações entre profissionais de saúde.
No contexto do relacionamento com o paciente, o aplicativo pode facilitar o esclarecimento de dúvidas pontuais que surgem após uma consulta, o acompanhamento da adesão a medicamentos prescritos e o monitoramento de sintomas no pós-procedimento.
No entanto, ao disponibilizar seu contato via WhatsApp aos pacientes, o médico assume a responsabilidade de gerenciar essa comunicação de forma estratégica. Assim, a implementação de um protocolo de uso claro e amplamente comunicado torna-se um passo fundamental e imprescindível, orientando os pacientes sobre como e em quais horários a troca de mensagens será possível. Estabelecer as formas e até regras deste contato evita questões mal entendidas e questionamentos maiores sobre a atuação.
Uma funcionalidade valiosa para estabelecer limites profissionais é a configuração de mensagens automáticas do aplicativo. Por exemplo, ao definir um horário de atendimento, como "Atendimento das 08h às 18h", o profissional delimita claramente a disponibilidade. Além disso, incluir uma mensagem inicial padronizada, como: “Não realizamos consultas médicas por aqui. Em caso de urgência, procure uma unidade de pronto atendimento. Responderei o mais breve possível”, isso parece simples, mas pode ajudar a prevenir expectativas inadequadas do paciente e direcionar este para o atendimento apropriado em situações emergenciais. O paciente não pode esperar que essa ferramenta possa suprir a necessidade da consulta e do atendimento médico específico!
Tanto que um aspecto crucial que merece destaque é a inadequação do uso de aplicativos de mensagens para a realização de teleconsultas, pois esse formato não substitui a avaliação médica presencial e pode comprometer a qualidade do atendimento.
A Resolução nº 2.314/2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece diretrizes claras para o atendimento por telemedicina, sendo a mera troca de mensagens textuais insuficiente para atender aos requisitos necessários para essa modalidade de atendimento médico.
de atendimento médico.
A anamnese, uma etapa fundamental da consulta, demanda interação direta com o paciente, observação de suas expressões e escuta atenta de sua história — elementos que se desvanecem na impessoalidade das mensagens de texto. Além disso, a falta de contato visual e verbal direto impede a confirmação da identidade do paciente, levantando preocupações sérias sobre a veracidade das informações apresentadas.
Por isso não deve ser efetivada consulta por este aplicativo. Mesmo que o paciente solicite!
A Imperativa Proteção de Dados na Era Digital:
A crescente adoção de plataformas digitais na medicina impõe aos profissionais a responsabilidade de fortalecer as medidas de proteção de dados, seguindo as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e as regulamentações do CFM.
Neste contexto, a Resolução nº 2.314/2022, publicada em maio de 2022, reforça a recomendação do CFM para o uso de plataformas profissionais e tecnicamente adequadas para a realização de teleconsultas, assegurando um ambiente virtual seguro e em conformidade com a legislação vigente.
A Resolução do CFM detalha os requisitos para o registro dos atendimentos por telemedicina:
- **Registro em Prontuário:**Todo atendimento realizado por telemedicina deve ser devidamente documentado no prontuário médico do paciente, seja em formato físico ou eletrônico (Sistema de Registro Eletrônico de Saúde - SRES). Esse registro deve seguir padrões específicos de representação, terminologia e interoperabilidade, garantindo clareza e consistência das informações.
- **Requisitos do SRES:**Ao optar pelo uso de um SRES, a plataforma deve possuir funcionalidades que permitam a captura, o armazenamento seguro, a apresentação clara, a transmissão eficiente e a impressão da informação digital de saúde do paciente. Além disso, é imprescindível que o sistema atenda plenamente aos requisitos do Nível de Garantia de Segurança 2 (NGS2), utilizando os padrões da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) ou outro padrão legalmente reconhecido, garantindo a autenticidade e integridade dos dados.
Além da robusta proteção de dados, as plataformas adequadas para telemedicina oferecem uma variedade de ferramentas integradas que otimizam o atendimento. Isso inclui videoconferência para interações visuais e verbais essenciais, chat para troca de mensagens em tempo real dentro de um ambiente seguro e acesso facilitado ao histórico médico completo do paciente.
Essas funcionalidades permitem que os profissionais de saúde armazenem e acessem, de maneira segura, as mensagens e arquivos compartilhados durante o atendimento, centralizando as informações relevantes em um único sistema.
Ainda, a participação em grupos de WhatsApp, mesmo que compostos exclusivamente por profissionais de saúde, exige que os médicos mantenham uma atenção redobrada ao dever de sigilo médico e às diretrizes da LGPD. O compartilhamento de informações clínicas ou imagens de pacientes nesses grupos é estritamente proibido, uma vez que a confidencialidade dos dados de saúde deve ser preservada em qualquer contexto virtual.
A vulnerabilidade inerente ao compartilhamento de informações confidenciais em aplicativos de mensagens aumenta significativamente o risco de vazamentos.
Conscientes desse risco, vários Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) em todo o país consideram essa prática uma grave infração ética, sujeitando o profissional a sanções disciplinares cabíveis. A presunção de privacidade em grupos de mensagens não exime o médico da responsabilidade de proteger os dados sensíveis de seus pacientes.
O Papel da Secretária na Comunicação Digital com Pacientes
Outro aspecto crucial diz respeito ao acesso e à atuação da secretária nos canais de comunicação digital com os pacientes. É fundamental que o médico implemente medidas rigorosas para impedir o acesso da secretária a informações clínicas dos pacientes, garantindo a inviolabilidade do sigilo médico.
Nesse sentido, a interação da secretária com o paciente em plataformas digitais deve se restringir estritamente a atividades como agendamento de consultas e procedimentos, informações sobre pagamentos e encaminhamento de solicitações de exames.
Caso o paciente procure a secretária para esclarecer dúvidas de natureza médica, a orientação deve ser clara: a questão será encaminhada ao médico responsável. Em nenhuma circunstância a secretária deve emitir opiniões clínicas, prescrever medicamentos ou realizar qualquer ato que seja de competência exclusiva do médico.
Considerações Finais: O uso consciente do whatsApp na medicina
Em suma, o WhatsApp e plataformas similares são ferramentas de comunicação com potencial significativo na prática médica, tanto para a interação médico-paciente na clarificação de dúvidas pontuais e no acompanhamento limitado, quanto para a troca de informações entre médicos em caráter privado, como o envio de dados ou discussões clínicas em grupos fechados de especialistas ou instituições.
No entanto, é imperativo reforçar que toda informação compartilhada nesses contextos deve ser tratada com absoluta confidencialidade, nunca extrapolando os limites dos grupos ou circulando em ambientes informais, mesmo entre profissionais de saúde. O Parecer Consulta CFM nº 14/2017 é categórico ao proibir a substituição de consultas presenciais e avaliações diagnósticas ou evolutivas, conforme critério médico, por quaisquer plataformas digitais, sejam elas existentes ou futuras.