WhatsApp e a Prática Médica: Como transformar a conexão digital em segurança e profissionalismo
Dra. Luciana Castro

Dra. Luciana Castro

24-04-25 |Att.: 24-04-25
Leitura: 6 min.
#Direito Médico

WhatsApp e a Prática Médica: Como transformar a conexão digital em segurança e profissionalismo

A transformação digital revolucionou a forma como nos comunicamos em todas as áreas da vida, e na medicina, essa evolução traz à tona nuances ainda mais complexas e significativas.

Os médicos, que diariamente acolhem pacientes com diversas condições, ansiedades e expectativas, enfrentam novos desafios éticos e práticos com a crescente integração das redes sociais em sua rotina profissional.

O WhatsApp, em particular, destaca-se como uma ferramenta de comunicação ambígua. Embora facilite a interação entre médicos e pacientes, também pode gerar desgastes, incertezas e até mesmo problemas e que precisam ser cuidadosamente gerenciados.

Reconhecidamente, o WhatsApp se estabelece como um canal de comunicação com grande potencial para otimizar diversos aspectos da interação médico-paciente, assim como a troca de informações entre profissionais de saúde.

No contexto do relacionamento com o paciente, o aplicativo pode facilitar o esclarecimento de dúvidas pontuais que surgem após uma consulta, o acompanhamento da adesão a medicamentos prescritos e o monitoramento de sintomas no pós-procedimento.

No entanto, ao disponibilizar seu contato via WhatsApp aos pacientes, o médico assume a responsabilidade de gerenciar essa comunicação de forma estratégica. Assim, a implementação de um protocolo de uso claro e amplamente comunicado torna-se um passo fundamental e imprescindível, orientando os pacientes sobre como e em quais horários a troca de mensagens será possível. Estabelecer as formas e até regras deste contato evita questões mal entendidas e questionamentos maiores sobre a atuação.

Uma funcionalidade valiosa para estabelecer limites profissionais é a configuração de mensagens automáticas do aplicativo. Por exemplo, ao definir um horário de atendimento, como "Atendimento das 08h às 18h", o profissional delimita claramente a disponibilidade. Além disso, incluir uma mensagem inicial padronizada, como: “Não realizamos consultas médicas por aqui. Em caso de urgência, procure uma unidade de pronto atendimento. Responderei o mais breve possível”, isso parece simples, mas pode ajudar a prevenir expectativas inadequadas do paciente e direcionar este para o atendimento apropriado em situações emergenciais. O paciente não pode esperar que essa ferramenta possa suprir a necessidade da consulta e do atendimento médico específico!

Tanto que um aspecto crucial que merece destaque é a inadequação do uso de aplicativos de mensagens para a realização de teleconsultas, pois esse formato não substitui a avaliação médica presencial e pode comprometer a qualidade do atendimento.

A Resolução nº 2.314/2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece diretrizes claras para o atendimento por telemedicina, sendo a mera troca de mensagens textuais insuficiente para atender aos requisitos necessários para essa modalidade de atendimento médico.

de atendimento médico.

A anamnese, uma etapa fundamental da consulta, demanda interação direta com o paciente, observação de suas expressões e escuta atenta de sua história — elementos que se desvanecem na impessoalidade das mensagens de texto. Além disso, a falta de contato visual e verbal direto impede a confirmação da identidade do paciente, levantando preocupações sérias sobre a veracidade das informações apresentadas.

Por isso não deve ser efetivada consulta por este aplicativo. Mesmo que o paciente solicite!

A Imperativa Proteção de Dados na Era Digital:

A crescente adoção de plataformas digitais na medicina impõe aos profissionais a responsabilidade de fortalecer as medidas de proteção de dados, seguindo as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e as regulamentações do CFM.

Neste contexto, a Resolução nº 2.314/2022, publicada em maio de 2022, reforça a recomendação do CFM para o uso de plataformas profissionais e tecnicamente adequadas para a realização de teleconsultas, assegurando um ambiente virtual seguro e em conformidade com a legislação vigente.

A Resolução do CFM detalha os requisitos para o registro dos atendimentos por telemedicina:

  • **Registro em Prontuário:**Todo atendimento realizado por telemedicina deve ser devidamente documentado no prontuário médico do paciente, seja em formato físico ou eletrônico (Sistema de Registro Eletrônico de Saúde - SRES). Esse registro deve seguir padrões específicos de representação, terminologia e interoperabilidade, garantindo clareza e consistência das informações.
  • **Requisitos do SRES:**Ao optar pelo uso de um SRES, a plataforma deve possuir funcionalidades que permitam a captura, o armazenamento seguro, a apresentação clara, a transmissão eficiente e a impressão da informação digital de saúde do paciente. Além disso, é imprescindível que o sistema atenda plenamente aos requisitos do Nível de Garantia de Segurança 2 (NGS2), utilizando os padrões da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) ou outro padrão legalmente reconhecido, garantindo a autenticidade e integridade dos dados.

Além da robusta proteção de dados, as plataformas adequadas para telemedicina oferecem uma variedade de ferramentas integradas que otimizam o atendimento. Isso inclui videoconferência para interações visuais e verbais essenciais, chat para troca de mensagens em tempo real dentro de um ambiente seguro e acesso facilitado ao histórico médico completo do paciente.

Essas funcionalidades permitem que os profissionais de saúde armazenem e acessem, de maneira segura, as mensagens e arquivos compartilhados durante o atendimento, centralizando as informações relevantes em um único sistema.

Ainda, a participação em grupos de WhatsApp, mesmo que compostos exclusivamente por profissionais de saúde, exige que os médicos mantenham uma atenção redobrada ao dever de sigilo médico e às diretrizes da LGPD. O compartilhamento de informações clínicas ou imagens de pacientes nesses grupos é estritamente proibido, uma vez que a confidencialidade dos dados de saúde deve ser preservada em qualquer contexto virtual.

A vulnerabilidade inerente ao compartilhamento de informações confidenciais em aplicativos de mensagens aumenta significativamente o risco de vazamentos.

Conscientes desse risco, vários Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) em todo o país consideram essa prática uma grave infração ética, sujeitando o profissional a sanções disciplinares cabíveis. A presunção de privacidade em grupos de mensagens não exime o médico da responsabilidade de proteger os dados sensíveis de seus pacientes.

O Papel da Secretária na Comunicação Digital com Pacientes

Outro aspecto crucial diz respeito ao acesso e à atuação da secretária nos canais de comunicação digital com os pacientes. É fundamental que o médico implemente medidas rigorosas para impedir o acesso da secretária a informações clínicas dos pacientes, garantindo a inviolabilidade do sigilo médico.

Nesse sentido, a interação da secretária com o paciente em plataformas digitais deve se restringir estritamente a atividades como agendamento de consultas e procedimentos, informações sobre pagamentos e encaminhamento de solicitações de exames.

Caso o paciente procure a secretária para esclarecer dúvidas de natureza médica, a orientação deve ser clara: a questão será encaminhada ao médico responsável. Em nenhuma circunstância a secretária deve emitir opiniões clínicas, prescrever medicamentos ou realizar qualquer ato que seja de competência exclusiva do médico.

Considerações Finais: O uso consciente do whatsApp na medicina

Em suma, o WhatsApp e plataformas similares são ferramentas de comunicação com potencial significativo na prática médica, tanto para a interação médico-paciente na clarificação de dúvidas pontuais e no acompanhamento limitado, quanto para a troca de informações entre médicos em caráter privado, como o envio de dados ou discussões clínicas em grupos fechados de especialistas ou instituições.

No entanto, é imperativo reforçar que toda informação compartilhada nesses contextos deve ser tratada com absoluta confidencialidade, nunca extrapolando os limites dos grupos ou circulando em ambientes informais, mesmo entre profissionais de saúde. O Parecer Consulta CFM nº 14/2017 é categórico ao proibir a substituição de consultas presenciais e avaliações diagnósticas ou evolutivas, conforme critério médico, por quaisquer plataformas digitais, sejam elas existentes ou futuras.

Dra. Luciana Castro

Dra. Luciana Castro

Mestranda em Bioética pela Universidade del Museo Argentino. Especialista em Direito Civil, Direito Médico e da Saúde. Advogada formada pela Uni - Anhanguera e Membro da Comissão da Saúde OAB/GO; Membro da Comissão de Bioética OAB/DF; Membro (correspond.) da Comissão de Empreendodorismo Legal OAB/SP.

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